Como todos sabem, vivemos uma grave crise política e econômica que impacta fortemente nos pilares principais que o mercado imobiliário depende para se desenvolver que são emprego, renda e crédito, além da confiança tanto do empreendedor quanto do público consumidor e isso reduziu drasticamente a demanda por imóveis.
Apesar de tudo, nós empreendedores somos otimistas por natureza e mais dia menos dia iremos superar essa crise, assim como superamos todas as anteriores e certamente superaremos as próximas.
O que realmente tem nos preocupado não é o baixo volume de vendas, mas sim um fator até então imponderável, que passamos a enfrentar diariamente em nossas empresas em grande intensidade a partir do ano de 2014, que são os altos números de distratos.
Nós empreendedores sabemos o enorme esforço que temos que empregar para se desenvolver um empreendimento imobiliário, desde a compra do terreno, da burocracia para aprovação do projeto, legalização, lançamento, produção até a responsabilidade que temos anos após a conclusão das obras.
Quando uma construtora oferta uma unidade no mercado, ela não está vendendo uma “opção de compra”, ela não está vendendo um “papel”, mas sim algo que demandará uma série de esforços, tempo e recursos humanos e financeiros para ser concretizado.
Para que um empreendimento se viabilize é fundamental que tenha um lançamento bem sucedido em termos de vendas, pois é a partir destas que as empresas montam seu fluxo de caixa para desenvolver as obras para contrair financiamento para produção junto aos bancos, que exigem uma quantidade mínima de vendas e de obras para que iniciem o aporte de recursos.
É justamente aí que reside o problema!
As empresas investem fortemente no lançamento, atingem o volume necessário de vendas superam todas as dificuldades para concluir o empreendimento e quando finalmente vão concretizar o faturamento se veem surpreendidas pelo alto número de distratos, e ao invés de faturar, acabam tendo que devolver os recursos para os clientes desistentes, a unidade volta para o estoque e a empresa tem grande dificuldade em revender a unidade, que uma vez concluída, requer que o novo cliente tenha que dar a entrada do imóvel em um prazo reduzido, o que acaba por restringir o acesso para grande parte do público consumidor.
Isso é extremamente preocupante pois afeta gravemente o fluxo de caixa das empresas que tem uma série de compromissos assumidos contando com uma receita que não se efetivou, gerando um grande passivo, comprometendo seus resultados e até mesmo a operacionalização e conclusão de suas obras, colocando em risco toda a cadeia imobiliária.
A dissolução do negócio acontece em duas situações. A primeira quando o comprador não consegue a aprovação total ou parcial de crédito junto aos bancos ou por que perdeu o emprego. Na segunda, simplesmente pede o distrato por entender que o imóvel não valorizou na proporção que imaginava.
No caso da primeira situação, normalmente as construtoras tem se mostrado bastante abertas a ajudar o cliente oferecendo financiamento direto ou remanejando-o para outro empreendimento de valor menor ou com a data de entrega mais distante de modo que o mesmo possa ganhar “fôlego”. Em alguns casos em que as obras ainda não estão concluídas, no caso de o cliente perder o emprego, as construtoras tem até mesmo oferecido carência de alguns meses no pagamento das parcelas para que o cliente se recoloque no mercado de trabalho;
Já na segunda situação, onde visivelmente há a “especulação” por parte do cliente as construtoras têm sido mais rígidas e só tem aceitado o distrato nos termos previstos em contrato, que normalmente prevê a retenção de 20 a 30 % dos valores pagos e devolução na mesma condição em foram pagos à construtora. Nesse caso nem sempre é possível o acordo, indo parar várias vezes no judiciário.
Toda essa confusão acontece por não existirem regras claras na lei de incorporações no tocante a distratos, o que dá margem para interpretações diversas.
Esse cenário ameaça seriamente a viabilidade do mercado imobiliário pois traz grande insegurança aos empreendedores que não sentem seguros se as vendas são realmente sustentáveis.
Um efeito colateral disso é a maior rigidez dos bancos na concessão de financiamento a produção pois sabem que as construtoras dependem quase que exclusivamente da concretização da receita de vendas para fazer a quitação dos empréstimos concedidos para financiamento das obras.
Diante do exposto, torna-se urgente debater o tema com especialistas em direito imobiliário, empresários da construção civil, representantes dos principais bancos de financiamento imobiliário do país e membros do judiciário, a fim de encontrar uma solução para este impasse que afeta a todos.
A sociedade e as autoridades precisam se sensibilizar para esse problema que que ameaça gravemente toda a cadeia produtiva do mercado imobiliário tendo como consequência a diminuição na oferta de imóveis e consequente seu encarecimento, além de obviamente gerar um problema seríssimo de desemprego na construção civil.
*Engº Marcus Vinicius P. Santaguita – Presidente da ACIGABC (Associação das Construtoras Imobiliárias e Administradoras do Grande ABC) e Diretor Regional do SECOVI no ABC. É diretor da Construtora Jacy Ltda, uma empresa consolidada e de forte atuação no mercado imobiliário do Grande ABC.